É recorrente a pergunta que volta e meia me fazem, “Ler o livro se tem o filme?“, e já vou respondendo que nem todos os livros estão na telinha ou telona. A base da história pode ser a mesma, mas dificilmente um filme conseguirá reproduzir tudo que contém um livro, por mais tecnologia que tenhamos alcançado nos estúdios de cinema.
Há filmes maravilhosos, mas basta ler o livro em que foi baseado para se ver o quanto ficou faltando. Isso em qualquer filme, vejamos um Harry Potter, quem sabe Senhor dos Anéis, até mesmo o romance Como eu era antes de você, quem leu sabe o quanto ficou faltando. Mas falando sobre a grande importância de se ler… nunca precisamos tanto ler ficção e poesia quanto hoje, porque nunca precisamos tanto de faíscas que ponham em movimento o mecanismo livre da nossa imaginação. Nenhuma forma de arte ou objeto cultural guarda a potência escondida por aquele monte de palavras impressas na página, diz o teórico Wolfgang Iser.
O que ele se refere vai além da importância de simplesmente ler e compreender um texto, mas principalmente de destravar a mente, de sonhar, de imaginar, de ter ideias, de ver novas ideias, de acreditar no impossível, pois nas páginas dos livros o impossível costuma fazer morada e sempre está pronta para povoar as mentes mais abertas e atentas. É disso que o mundo está sedento nos dias atuais, de sensibilidade, de compreensão, de imaginação, pois nosso mundo está cada vez mais cinza e preto, quando pode ter milhões de cores.
A todo instante somos bombardeados, o dia inteiro, por informações das mais diversas. Estamos saturados de dados e de interpretações dos outros, mas e as nossas interpretações como ficam? É bem mais cômodo aceitar o que nos querem impor, e assim “Seguir o fluxo”. Mas a literatura, para além do prazer intelectual, inegável, também oferece algo diferente, trata-se de uma energia que o teórico Hans Ulrich Gumbrecht chama de “presença” e que remete a um contato com o mundo que afeta o corpo do indivíduo para além e para aquém do pensamento racional.
Junto de um texto pode ser apenas você e o texto, ou você aceitando o que o texto (alguém) quer que você entenda. Sendo você e o texto é bem melhor que você o interprete e aproveite o que ele tem pra lhe oferecer, e não o que ele tem pra lhe impor. A experiência literária tem a propriedade de despertar sensações no corpo, além de afetos, num texto pequeno como uma poesia ou num livro, ao disparar a imaginação as sensações se tornam presentes. E o mais incrível é que como cada um é diferente dos outros, as sensações são diferentes para cada um, podem até parecerem, mas nunca iguais. Não é maravilhoso?
Pense o motivo de se falar tanto em imaginação, associada com leitura, simples, porque a imaginação é um “Lugar” um espaço de liberdade ilimitada, onde os estímulos do mundo despertam memórias, sentimentos, crenças e conhecimentos para diferenciar cada um de nós, permitindo levar nossos pensamentos onde a gente quiser, e isso faz de cada um dos bilhões de habitantes desse planeta, um ser único. A leitura de textos é uma forma privilegiada de disparar nossa imaginação, pois é apenas nossa mente e a nossa interpretação com o texto, carregando junto todo o nosso conhecimento e emoções. Mais ainda, a experiência literária nos dá a chance de vivenciarmos possibilidades que, no cotidiano, estão fechadas a nós: de explorarmos essas possibilidades como se estivéssemos, de fato, presentes. E a imaginação é o palco em que a vivência dessas possibilidades ocorrem.
Acho que a imaginação foi um pouco longe, e voltemos ao ler se temos o filme. Novamente afirmo que a esmagadora maioria dos filmes não conseguem retratar tudo que a história do livro contém, e para dar um pequeno exemplo que sempre utilizo quando a prosa vai por esse caminho, de ver o filme e não ler o livro.
Para quem assistiu o belo filme “Como eu era antes de você”, e não leu o livro, por acaso sabe me dizer porque a personagem de Louisa Clark, se veste com aquelas roupas “diferentes”? Procure entender para ver o fato muito importante que o filme simplesmente omitiu.
