Uma pausa no Folclore
Neste mês nossa coluna não traz um assunto leve e cheio de curiosidades interessantes sobre a Polônia ou sobre folclore. Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia lançou uma invasão militar em larga escala contra a Ucrânia, um de seus países vizinhos a sudoeste, marcando uma escalada acentuada para um conflito que começou em 2014. Vários analistas chamaram a invasão de a maior invasão militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
Mais de três milhões de pessoas fugiram da Ucrânia desde que a Rússia iniciou a invasão do país em 24 de fevereiro – anunciou uma agência da ONU. “Chegamos ao número de três milhões de pessoas em termos de movimento populacional para fora da Ucrânia”, disse o porta-voz da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Paul Dillon, à imprensa em Genebra. A Polônia é o país que mais recebeu refugiados da Ucrânia. No total, 1,79 milhão de pessoas encontraram refúgio no país desde 24 de fevereiro, segundo o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR). Romênia, Hungria e Moldávia também receberam um número significativo de ucranianos fugindo da ofensiva lançada pela Rússia.
Com um número tão alto de Ucranianos cruzando a fronteira para a Polônia, trazemos aqui uma entrevista feita com duas paranaenses que moram na Polônia, onde elas contam como estão sendo os últimos dias em suas cidades e as vivências delas com este conflito. Esta é uma edição especial da nossa coluna que será dividida em duas partes.
Confira agora, a entrevista feita com Valeria Rodrigues, moradora de Cracóvia:
1. Nome completo, onde mora e há quanto tempo; porque foi para a Polônia?
Valéria Alves Melo Rodrigues, 4 anos morando em Cracovia, na Polônia. Mudei de São José dos Pinhais pra cá, pois tanto eu quanto meu marido somos de família polaca, mas o motivo principal, o que nos levou a tomar a decisão para ontem, foi uma tentativa de assalto a mão armada no portão de casa. Meu marido reagiu para nos proteger e vimos que era a hora de buscar segurança em outro local para viver.
2. Quais os impactos/mudanças que a guerra trouxe para você no seu cotidiano?
O primeiro impacto foi o medo de algo respingar aqui na Polônia. Passado o medo, começamos a agir vendo em como poderíamos ajudar os vizinhos e irmãos ucrânianos.
3. Qual o sentimento dos poloneses em relação a guerra, e a ajuda que o governo oferece a Ucrânia?
A grande maioria dos poloneses apoia a decisão do governo ajudar a Ucrânia, mas existe uma porcentagem que têm medo de que isso tudo possa prejudicar financeiramente o país e ele entrar em crise econômica. O governo têm oferecido muita ajuda aos refugiados.
4. Qual o seu sentimento?
Oscilo nas emoções todos os dias, mas não deixo que o medo me impeça de ajudar. Hoje vendo a situação dos vulneráveis, vejo que qualquer ajuda é muito bem vinda a quem chegou aqui, muitas vezes com a roupa do corpo e pouquíssimos pertences. Conheci um menino de 8 anos que veio com apenas a bota de neve. Não tinha um calçado extra, nem um chinelo. Fizemos campanha para ajudar.
5. Você conhece ou participa de algum programa de voluntariado para os refugiados?
Juntamente com algumas colegas brasileiras, temos sim ajudado. No momento estou responsável por arrecadar material escolar, pois muitas crianças ucranianas estão ingressando nas escolas polonesas e também a fazer buscas em sites poloneses por apartamentos em Cracovia e região para alugar.
6. Você conhecer algum ucraniano que mora na Polônia? Este pode continuar na Polônia, ou teve que voltar para a Ucrânia?
Sim, conheço e estamos acompanhando de perto algumas famílias. Alguns pensam em ficar, outros querem que a guerra acabe para que possam voltar e ajudar a reerguer seu país. O governo polonês, a princípio, cedeu permissão por 1 ano para que ucrânianos permaneçam aqui. Lembrando que todas as regras podem mudar a qualquer momento, dependendo do andamento da guerra.
A Valéria tem um perfil no instagram @conhecendocracovia onde antes, postava conteúdo sobre a cidade polonesa. Nos últimos dias, ela tem postado várias situações que acontecem na cidade com a chegada dos refugiados.
Com a autorização dela, reproduziremos aqui dois textos que ela postou em suas redes sociais contando como conheceu uma mãe e filho refugiados como vem ajudando esta e outras famílias.
“Ter conhecido a Natalia e o Ilyia, mãe e filho, refugiados da guerra na Ucrânia, foi uma emoção sem igual e que eu jamais vou esquecer na vida. Os conheci através da Ana Maria Dacol, que os hospedou temporariamente em sua casa e hoje, estiveram na nossa. Passamos um período da tarde juntos e mesmo em meio a uma guerra que acontece tão próximo, conseguimos extrair deles alguns sorrisos. Sentimos a obrigação de tentar fazer mãe e filho, esquecerem dos horrores de tudo o que passaram. A casa deles e a escola do Ilyia já não existem. Foram bombardeadas. Ilyia é um garoto encantador. Educado, inteligente e um verdadeiro artista. Vejam as fotos dos seus bonecos de massinha que ele fazia na Ucrânia. Comemos bolo de chocolate, rimos, e me identifiquei muito com a Natália. Bem que a Ana me avisou que nos daríamos bem, pois ela, assim como eu, gosta de trabalhos manuais. Mostrei a ela o que faço por aqui e ela se encantou com os crochês que tenho em casa.
Hoje fizemos um pouco por mãe e filho e minha vontade era de fazer muito mais.
Ele, assim como muitos refugiados, saiu da Ucrânia apenas com um par de sapatos. Ele veio com botas de neve. Apenas! Ontem perguntei a Ana, qual sua cor preferida e ele disse que era verde. Compramos um tênis na cor preferida do garoto, tentando de uma forma tão pequena perto de tudo o que passaram, repor um pouco de alegria que eles tinham eu seu país.
Nossa comunicação foi engraçada, mas utilizamos a linguagem do amor, que é universal!
Eles são de Kharkiv, uma das regiões mais bombardeadas até agora e nessa região, o idioma que mais se fala é o russo. Natalia não fala inglês, mas todos nós nos entendemos.
Ajudar com um pouco, me fez sentir útil e não quero parar por aqui. O que temos visto pelos lados de cá, é desesperador!”
(…)Estive hoje em dois locais aqui em Cracovia onde têm uma grande concentração de ucranianos, para ajudar com documentação de uma família. Estivemos na Arena Tauron para que pudessem fazer o PESEL, que é o código de identificação da pessoa, assim como é o CPF no Brasil. Com esse documento, eles podem dar um ponta pé inicial na vida na Polônia: cadastrar filho em escola, solicitar benefícios, se disponibilizar para uma vaga de trabalho, enfim, é o primeiro documento a ser feito aqui e para a minha surpresa, filas intermináveis e quilométricas. Saindo dali, fomos ao Consulado da Ucrânia o que me chocou mais ainda, principalmente vendo o número de crianças, bebês de carrinho e colo, idosos. Vi um senhor cadeirante e uma menina com paralisia cerebral. Isso foi como uma flecha no meu peito.Ver crianças alí, algumas até brincando com carrinhos doados por voluntários e vendo a inocência deles, sem ter a noção real do que está acontecendo, é de fazer qualquer adulto chorar.
Não a guerra! Já basta! Ela não pode ser maior que o amor. Isso tudo têm que parar urgentemente!
Esse número de pessoas é incontável! Esse número não para de aumentar! Só enquanto estávamos ali, quantos trens e ônibus chegaram na cidade com mais refugiados(…)