A ida para a casa do morador de Pederneiras (SP), José Valdemir Arantes, de 59 anos, foi motivo de alívio e comemoração para a família. Desde dezembro, a mulher e filhas acompanharam a luta dele contra a Covid-19. José chegou a ficar 5 meses e 10 dias internado no Hospital de Base de Bauru (SP) e, durante esse período, ainda sofreu dois AVCs, teve infecções e desenvolveu diabetes.
A filha, Talita Helena Arantes Birelo, de 33 anos, conta que tudo começou em novembro do ano passado quando ela e o marido foram contaminados com o Coronavírus. O pai acabou sendo infectado também, já que ele e a esposa cuidavam da neta enquanto a filha e o genro estão no trabalho.
“Eu e meu marido pegamos primeiro e tivemos contato com meu pai, porque meus pais olham minha filha para mim e meu marido trabalharmos. Em novembro descobrimos a doença e depois de cerca de 7 ou 8 dias meu pai começou a apresentar os sintomas. Ele buscou atendimento no PS de Pederneiras no dia 28 de novembro e foi internado. No dia 29 ele já foi intubado e no dia 30 transferido para o estadual“, diz Talita, que é enfermeira.
Quando procurou atendimento médico, além de apresentar os sintomas de dor de cabeça, falta de ar, dor de garganta, cansaço e uma forte febre, de acordo com Talita, foi constatado que o pai estava com alteração no nível de insulina e, como sequela, ele também acabou se tornando diabético.
“Quando foi pro hospital ele já estava com dor de garganta, febre, dor de cabeça, muita falta de ar e a febre demorava muito pra baixar. Quando começou a piorar ele até desenvolveu diabetes, que ele não tinha antes e nem nada, estava muito alta, dava insulina e continuava alta.”
O quadro de José era instável e se agravava a cada dia. Ele ficou intubado no Hospital Estadual de Bauru por um mês, pois, por conta de uma hemorragia, não era possível fazer a traqueostomia.
“No Hospital Estadual ele ficou intubado por cerca de um mês, porque não conseguiam fazer a traqueostomia, porque ele teve uma hemorragia. Ele teve que tomar diversas bolsas de sangue, porque ele ficou sangrando por muito tempo e não parava. Depois, ele teve que fazer hemodiálise. Cada dia era uma coisa, diziam que ele estava estável, depois teve piora. Era essa luta constante, até que conseguiram fazer a traqueostomia.”
Avanço do quadro da doença
As complicações da doença fizeram com que ele precisasse ficar sedado por muito tempo e José demorou para, realmente, reagir e acordar, fato que preocupou a família. Houve apenas um momento em que ele acordou, falou com a filha, mas em seguida apresentou piora e precisou ser sedado novamente.
“Ele ficou sedado por muito tempo, demorou para acordar e começaram a investigar se era sequela no crânio ou se alguma outra sequela. Ele estava acordado, mas sonolento, abria o olho, mas não estava ali e quando ele acordou realmente e falamos por vídeo, ele chorou, se emocionou, mas depois piorou e foi sedado de novo. Ele teve um choque séptico.”
Os médicos começaram a investigar o que poderia ter acontecido com o paciente e foi descoberto que ele teve um AVC isquêmico e outro hemorrágico nos dois lados do crânio, mas não se sabe ao certo qual foi o período entre os dois derrames.
“Quando ele fez a ressonância e descobriram que ele teve AVC isquêmico e um hemorrágico disseram que foi em um local muito grave e não tinha chances de ele ficar bem como antes. Os pacientes com Covid tomam muito anticoagulante para não ter trombose e correm esse risco”, explica a filha.
A partir daí, os médicos começaram a pedir que a família começasse a considerar que José fosse apenas precisar de cuidados paliativos, já que o seu quadro era muito grave e poderia ser irreversível.
“Os AVCs dele foram dos dois lados do crânio, mas não sabemos o período entre eles. O médico nos pediu para cuidar dos cuidados paliativos, porque ele poderia ficar em estado vegetativo, porque ele não iria se recuperar”, recorda.
Novas complicações e recuperação
Talita, sua mãe, Maria Joana Arantes, e as outras três irmãs não aceitaram a orientação de cuidados paliativos, já que acreditavam que mesmo diante de todas essas complicações causadas pela doença, José iria se recuperar.
Mãe e filhas mobilizaram orações com toda a família e amigos. Até mesmo pessoas que nem ao menos conheciam diziam que estavam direcionando orações ao seu pai.
“Eu e minha mãe nos apegamos muito com Deus. Fizemos uma corrente, um grupo de oração. Gente de fora, de tudo quanto é lugar que você pode imaginar, gente que nunca viu meu pai ficou firme em corrente de oração. Eu falei pra ele [o médico] que tudo que estivesse ao alcance dele, era pra ele fazer, porque a gente ia aguardar. Todos os dias eu saia do meu trabalho e ia para frente do hospital rezar um terço durante os 5 meses e 10 dias que ele ficou internado”, relembra emocionada.
A esperança de que José pudesse se recuperar se tornou ainda mais forte para a família quando uma médica começou a cuidar do seu caso no momento em que ele estava muito debilitado, e os outros médicos da equipe consideravam o seu quadro irreversível, conforme conta Talita.
“Colocaram ele em um ventilador mecânico, já pensando em cuidados paliativos, e ele estava em uma cama de hospital sozinho em um quarto. Havia momentos em que eu e minha mãe não conseguimos consolar nenhuma a outra, mas foi aí que veio uma médica, que parecia que nos conhecia de longa data, e ela nos explicou tudo e disse que iria tirar meu pai do hospital e ele iria pra casa.”
Além das outras complicações, uma ferida também se abriu nas costas de José e a filha pediu para ir ao hospital cuidar do pai, já que era enfermeira, e foi autorizada. O paciente ficou por mais de uma semana no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do hospital e quando começou a apresentar melhora foi transferido para a enfermaria.
“Ele ficou uma semana e meia no CTI e eu comecei a reclamar da ferida e começaram a fazer o curativo. Uma enfermeira até mesmo me ensinou como fazer, já que essa não é a minha área, e a doutora autorizou que só eu fizesse o curativo. Quando ele voltou pro quarto, ela fez a autorização que eu poderia entrar no hospital a qualquer hora para conciliar os horários com meu trabalho”
Uma bactéria também foi descoberta no organismo de José e ele já estava resistente a diversos antibióticos, mas com acompanhamento e novas medicações, ele conseguiu vencer mais essa batalha.
“Quando a última médica que tratou ele pegou o caso, ela fez vários exames e ele já estava resistente a sete antibióticos, mas ela conseguiu descobrir qual bactéria era e organizar a medicação para combater a bactéria.”
Depois de 5 meses e 10 dias lutando contra uma doença que desencadeou complicações graves na saúde do morador de Pederneiras, ele recebeu alta no dia 3 de maio para que continuasse sendo assistido em casa, já que no hospital poderia acabar contraindo alguma outra doença, e recebeu uma surpresa da família.
“Foi uma tempestade, mas acabou, graças a Deus. Eu sei o quanto teve muita família que sofreu e não conseguiu essa vitória. O mais difícil foi que perdi a minha avó há 7 anos em 1 de dezembro e ele ficou mal perto dessa data, e eu faço aniversário dia 10 de dezembro No ano passado passamos o Natal e Ano Novo preocupados com ele.”
“Presenciamos muitas famílias perdendo seus entes queridos e a gente lutando pra que ele saísse. Fizemos questão de mostrar pra ele quando ele saiu que todos estavam esperando ele ansiosamente e a família foi até a porta do hospital de carro pra ver ele.”
Sequelas e união da família
Os longos meses de internação e todos os problemas de saúde que vieram depois que José contraiu o coronavírus deixaram sequelas e, apesar de ter tido alta, ele continua utilizando oxigênio em casa e tem dificuldades de se movimentar.
“A sequela ficou por conta do tempo, porque ele ficou muito tempo no ventilador mecânico. Ele ainda usa o oxigênio em casa. Ele consegue ficar sem por um tempo, mas ainda não totalmente sem. E também precisa fazer fisioterapia motora e respiratória. A gente vê que ele já consegue fazer alguns movimentos, mas mexer as pernas e os quadris, está muito difícil. A prefeitura só consegue mandar a fisioterapeuta uma vez por semana por 30 minutos”, conta Talita.
A enfermeira explica que apesar de ser importante, o tratamento disponibilizado pela prefeitura ainda é muito pouco e que seu pai precisaria de mais sessões semanais, além de alimentos específicos e equipamentos para que ele consiga recuperar os movimentos.
Por isso, a família e os amigos começaram a se mobilizar arrecadando objetos e fazendo rifas para conseguir arcar com as despesas necessárias para a recuperação de José em casa.
“Estamos tendo os gastos com os cuidados com ferida, a alimentação, a sonda e pedimos doações para os amigos e a família. Nos deram produtos e comida para rifar e usarmos para pagar a fisioterapia. Rifamos leitoas, dia de beleza no salão e conseguimos comprar fralda, alimentação, medicamentos. O curativo fica muito caro e tudo que a médica disse que era bom, compramos. Agora estamos rifando uma mesa de bilhar. Ele estava sem trabalhar e eu estou tentando ver se ele consegue o auxílio doença”, relata Talita.
A família, que tentou se manter forte durante esse período tão difícil, precisou recorrer a um atendimento psicológico e fazer até uso de medicamentos depois de desenvolver ansiedade. Talita recorda que lidar com casos de coronavírus no trabalho e viver essa situação na família foi muito desgastante para sua saúde mental.
“Todos aqui em casa estamos fazendo acompanhamento com o psicólogo, tomando remédio para ansiedade, porque foi muito difícil. Tentamos segurar até quando deu e depois não conseguimos mais controlar. E você atendendo pacientes assim no hospital e passando por isso em casa é muito difícil.”
Talita conta ainda que o pai emagreceu quase 30 kg após a longa internação e que os familiares ficaram surpresos ao ver José a mudança quando vieram ele saindo do hospital.
“A gente acredita que ele perdeu quase 30 kg, se não mais. Ele saiu do hospital com 74 kg e deu entrada com 100 kg. Quando conseguimos ver ele pela primeira vez assustamos. A coloração da pele mudou por conta dos remédios, e ele emagreceu muito. Ele sempre foi forte e agora as pernas estão finas e conseguimos ver os ossos”
José, mais conhecido pelos amigos como “Galo”, agora em casa terá que ter muita paciência para se adaptar a essa nova realidade e conseguir se recuperar, mas sabendo que pode contar com todo o apoio da família e dos amigos. Talita, a irmã Daniela, e o próprio José fizeram até mesmo uma promessa para a sua recuperação.
“Ele ainda fica confuso, acha que tem que trabalhar e a médica ainda não sabe se isso vai ser uma sequela do AVC. Ele pede para levantar, para sair, mas a gente pede paciência, porque tem que ir aos poucos. A recuperação está sendo boa, até a fisioterapeuta falou.”
E completa emocionada. “Muitas vezes a resposta era que ele não iria sair e nada daria certo e a gente disse que quem falaria isso era Deus. Ele fez promessa porque é devoto de Nossa Senhora de Aparecida e eu prometi com minha irmã que vamos descer e subir aquela passarela de joelhos.”
FONTE: GLOBO.COM