A nova redução de 10% das alíquotas de importação do arroz, feijão e carne bovina, anunciada na última segunda-feira, não terá efeitos em queda de preços para o consumidor, afirmam especialistas e associações.
Em novembro do ano passado, o governo já havia feito um corte da mesma magnitude, o que resultou em uma diminuição total de 20% das taxas de importação de mais de 6 mil itens até dezembro de 2023.
Tarifas de três produtos tiveram as seguintes reduções:
- feijão: de 10% para 8%;
- arroz: de 12% e 10% para 9,6% e 8% – a depender das variedades;
- carne bovina: de 12% e 10% para 9,6% e 8% – a depender dos cortes.
A redução das alíquotas tem o objetivo de combater a escalada da inflação, porém, além de ter sido pequena, a oferta externa desses alimentos é restrita no momento e o Brasil já tem uma produção capaz de abastecer mercado interno, de acordo com os especialistas.
Para cada alimento, o cenário é o seguinte:
- No caso do feijão, o Brasil não tem de onde importar o tipo carioca – que é o mais consumido e produzido no país –, afirma o presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), Marcelo Lüders. Da Argentina, o Brasil traz os tipos rajado, branco, preto e vermelho com tarifa já zerada, como prevê o acordo do Mercosul, que os dois países integram junto ao Paraguai e Uruguai;
- O Brasil é autossuficiente na produção do arroz e o recebe também de parceiros do Mercosul, que, em função de clima semelhante, têm um tipo de grão muito parecido com que o brasileiro gosta de comer, diz a diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Andressa Silva. Por outro lado, as variedades colhidas em grandes produtores como Tailândia, Vietnã e Índia, são diferentes das que o brasileiro está habituado a consumir;
- Já em relação à carne bovina, o Brasil é um grande exportador mundial e consegue, ao mesmo tempo, abastecer o mercado interno. Enquanto vende para outros países cerca de 273 mil toneladas mensais, importa apenas 4 mil toneladas, diz Fernando Iglesias, analista da Safras & Mercados. A tendência é que o preço da carne bovina continue subindo, pois a procura externa pelo produto nacional está alta, enquanto a oferta em outros países está mais restrita.
‘Feijão carioca só no Brasil’
Para Lüders, do Ibrafe, o ideal seria o governo estimular a produção de feijão nacional em vez de reduzir a alíquota.
O valor do carioca já subiu 14,6% em 12 meses para o consumidor na prévia da inflação de maio, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Cerca de 70% do feijão colhido no Brasil é do tipo carioca, o que é um problema, porque, se a gente produz mais que o consumo interno, não tem para onde mandar, porque só o brasileiro come. E, quando falta, você não tem de onde trazer, porque nenhum país do mundo produz”, diz Lüders.
A expectativa é de que o Brasil colha, nesta safra, 3,14 milhões de toneladas de feijão, o que é suficiente para atender ao consumo interno, previsto em 2,85 milhões de toneladas, indicam dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Autossuficiência em arroz
O Brasil também tem uma oferta abundante de arroz, o que fez, inclusive, o país reduzir em 25,5% as compras de outros países, nos últimos 12 meses encerrados em abril de 2022, diz Alves, do Cepea.
Para o consumidor, o valor do cereal na gôndola já recuou 10,8% em 12 meses até meados de maio.
Somando a produção, importação e estoque de arroz, e excluindo as exportações, o Brasil tem um suprimento de 12,9 milhões de toneladas de arroz para um consumo interno de 10,8 milhões de toneladas.
“É um cenário, portanto, que contribui para a redução de preços e que faz do arroz nacional um produto mais atrativo“, diz Alves, acrescentando que, para atender a demanda interna, os países estão restringindo as exportações de arroz.
Além disso, somente 9% do cereal produzido no mundo é comercializado entre as nações.
“Realmente não dá para entender a redução de tarifa. Parece algo mais político do que algo que tem algum impacto econômico efetivo”, acrescenta.
Preços da carne bovina
A redução das alíquotas de importação sobre a carne bovina também tem pouco efeito prático, segundo Iglesias, do Safras.
“O setor de carnes aqui no Brasil é focado em exportar e não tem necessidade de trazer de fora. O que a gente compra, geralmente, são cortes nobres para abastecer churrascarias, restaurantes Então, a importação não parece ser alternativa nesse momento”, afirma.
Segundo ele, o preço da carne bovina, que acumula alta anual de 15%, “vai continuar fora da realidade do brasileiro”, que ainda deve manter seu padrão de consumo focado mais em proteínas como frango e ovos.
A tendência de alta do valor da carne para 2022 é explicada pela forte procura pelo produto nacional em um momento em que grandes produtores sofrem restrições na produção.
No Uruguai, por exemplo, a forte estiagem entre 2021 e 2022 secou pastagens e reduziu rebanho, enquanto na Argentina incertezas foram geradas pela proibição da exportação em boa parte de 2021.
A Austrália, por sua vez, passa por um processo de recomposição do rebanho, o que leva tempo, pois a pecuária é uma atividade de ciclo longo. Por fim, os pastos dos Estados Unidos também foram prejudicados por seca e os produtores enfrentam inflação de custos.
FONTE: GLOBO.COM